Comer fondue, esse luxo cafona
Lááááááá nos anos 1970, quando eu era pirralho, um dia meus velhos chegaram em casa com uma panela toda diferentona, que ficava suspensa sobre um bagulho com fogo. De vez em quando, eles iam sei lá onde buscar uns queijos especiais, que eles derretiam nessa panela para comer com pão.
Era o tal do fondue. Ou da fondue, se você fizer questão de respeitar os gêneros do idioma francês. Não é o meu caso. Usarei a forma consagrada em Campos do Jordão, Gramado e Monte Verde.
Eu detestava a fedentina daquele negócio na sala do apartamento. Os pais calavam a minha boca com qualquer comida que criança gosta e, no final, vinha o prêmio: fondue de chocolate. Chocolate derretido para comer com frutas sortidas, mas eu só comia a banana.
Naqueles tempos, fondue era considerado chique –assim como tudo o que era produto ou hábito importado, a bem da verdade. Foi quando o prato suíço subiu as serras do Brasil. Ganhou restaurantes com frequência quase exclusiva de casais.
Eu cheguei a ir a um desses, muitos anos mais tarde, quando a moda do fondue já estava pelas tabelas.
O lugar ficava no final da rua Pamplona e tinha iluminação tíbia. Era impossível ler o cardápio naquela escuridão, mas tanto faz, pois todo mundo pedia fondue.
Programa de fato romântico: você e sua companhia saíam do restaurante rolando de tanto comer queijo. E pelo menos um da dupla ficava de mau humor com a surpresa da conta (as trevas também impossibilitavam a leitura os preços de comida e vinho).
Aliás, é curioso como meteram glamour em cima de uma comida que os pastores alpinos criaram para aproveitar casca de queijo. Os militares suíços comiam fondue no refeitório do quartel, panelaça no meio da mesa para meia dúzia de garfos.
Eu só fui gostar de fato de fondue de queijo –a versão de carne é uma abominação– na fase adulta e assalariada, quando pude fazer eu mesmo em casa, com queijos de qualidade. Nos restaurantes, cobram caro e usam queijo chulé; nos domicílios Brasil afora, o mais comum é usar a versão de caixinha, mais vagabunda ainda.
Peguei gosto pelo fondue quando ele foi enquadrado definitivamente no rol das coisas cafonas. Comprava queijos suíços –já bastante caros, mas aproveitava as promoções do vencimento iminente– e até kirsch, uma aguardente de cereja que serve, basicamente, para fazer fondue. Cada garrafa durava cinco invernos.
Falando em inverno, esta é a época em que o fondue, apesar da pecha de brega, ganha adeptos com garfinhos na mão. Mas está complicado comer fondue este ano, por algumas razões.
A pandemia é uma delas. Só dá para compartilhar a panela de queijo derretido com quem você, perdão pela bruteza, já compartilha saliva cotidianamente. Sem condição de fazer uma brincadeira com os amigos.
O principal empecilho, porém, é o preço do queijo. Qualquer muçarela custa 50 ou 60 contos o quilo. Os importados que eu comprava ficaram tão caros que pararam de importar. Gruyère e emmental nacionais são um substituto pífio e, ainda assim, bem caro. A garrafa do tal kirsch está por mais de R$ 250.
Sobram as malfadadas caixinhas. As importadas da Suíça, as únicas comíveis, batem os R$ 100 por 400 gramas de comida. É o ultraprocessado mais caro que o seu dinheiro pode comprar.
Comer fondue nunca foi um luxo tão grande. Por isso mesmo, e porque é virtualmente impossível se fazer um fondue decente no Brasil de 2021, nunca foi tão cafona chuchar o pão velho no queijo derretido.
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