Fome: a solução final para a Cracolândia?
A deputada estadual paulista Janaina Paschoal (PSL) fez, no Twitter, o seguinte comentário a respeito de um texto em que o padre Julio Lancelotti se queixa das ações da Polícia Militar para atrapalhar a distribuição de comida na cracolândia, trabalho de caridade da Paróquia São Miguel Arcanjo.
“As pessoas que moram e trabalham naquela região já não aguentam mais. O Padre e os voluntários ajudariam se convencessem seus assistidos a se tratarem e irem para os abrigos. A distribuição de alimentos na Cracolândia só ajuda o crime. O tema precisa ser debatido com honestidade.”
Sou ateu e tenho todas as críticas do mundo ao cristianismo, mas padre Julio destila o que há de melhor na doutrina católica: a solidariedade. Janaina, por sua vez –tenho preguiça de recitar sua ficha corrida, todos sabemos o que ela já fez–, se acha bacana no papel de irmã Cajazeira de “O Bem-Amado”, a moralista sonsa com o Jesuzinho de pau oco na foto de perfil.
Mesmo após o massacre internético decorrente de sua escandalosa insensibilidade, a deputada fincou pé na posição. Basicamente, seu argumento é o de que alimentar os noias mantém a cracolândia ativa.
Pois bem.
Se ninguém desse comida para os cracudos, eles ainda assim precisariam se alimentar para sobreviver. Na região da Luz ou em outra parte do Universo.
Você não pode acabar com uma chaga dessa magnitude –e que tem causas complexas, de diversas naturezas– dificultando ainda mais a vida das vítimas do rolo compressor. É observável o desastre das tentativas de desocupar a cracolândia da Luz, que criaram cracolândias por toda a cidade.
Você não pode internar à força um dependente químico. É bom que essa noção mínima de civilidade já tenha sido aceita pelas autoridades (a contragosto).
Você não pode fazer sumir os zumbis urbanos. Opa, será que é isso que estão tentando fazer?
O discurso da deputada Janaina se concentra nas pessoas afetadas pelo transtorno urbano –algo muito real– e despreza o sofrimento maior, das pessoas presas no inferno da dependência, da imundície, da sarna, do frio, da fome.
Olhem seu Twitter para colher outra pérola ultraliberal, aquela em que Janaina defende a prioridade do tratamento dos jovens nas UTIs de Covid-19. Que os fracos pereçam para a máquina seguir adiante.
Posso apenas especular qual seria a intenção de Janaina ao condenar uma iniciativa que dá comida às pessoas mais vulneráveis da cidade. Sem alimento, certamente elas desapareceriam.
Mas, que coisa!, outros miseráveis surgiriam no lugar. Não há paz possível para os frequentadores da Sala São Paulo.
(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook e do Twitter.)