Show de horrores no Mercadão de São Paulo

Duplamente vacinado como mais de metade da população paulista, estou em franca transição de volta para aquilo que, na pandemia, batizamos de velho normal.

Talvez nunca saiamos do tal do novo normal, mas, enfim, já dá para arriscar a fuça em atividades impensáveis poucas semanas atrás. Coisas banais como bater ponto em restaurantes e bares, encontrar amigos e contatos profissionais, viajar.

Pelo menos nos ambientes que frequentei, as pessoas têm se comportado surpreendentemente bem. Nos lugares de comer e de beber, tiram a máscara para comer e beber. No avião, todos protegidos.

Perdemos os snacks de bordo, mas a pandemia nos trouxe o fim do caos no desembarque. Com a emergência sanitária, os comissários ganharam autoridade para organizar o fluxo de saída da aeronave por fileiras. Todos sentadinhos até serem chamados. Oxalá permaneça assim.

O mais relevante disso tudo: empresários e trabalhadores do ramo de serviços entenderam que precisam passar segurança se quiserem recuperar o cliente afugentado pela Covid-19.

No boteco, no cafezinho, no supermercado e na feira de vinhos somos atendidos por funcionários mascarados. Temos fartura de álcool em gel para nos lambuzar.

Animado com a primavera da trégua, saí para comprar um alimento bastante específico, encontrado somente num lugar: o Mercado Municipal Paulistano, vulgo Mercadão.

Tenho um histórico de sentimentos ambíguos em relação ao Mercadão.

É a arapuca de turista com preços conformes, a multidão e suas selfies, o pastel seco de bacalhau, o sanduíche monstrengo de mortadela.

É também onde se descobrem delícias raras nas peixarias, nos açougues, em alguns empórios, em pontos salpicados pelo lindo edifício projetado por Ramos de Azevedo.

Faz meio ano que o Mercadão é administrado por um consórcio de empresas privadas. Será que mudou muito?

Espanta a facilidade para estacionar. Paro o carro na cara do gol, no bolsão de vagas em frente à avenida Mercúrio. Show de bola.

Ao pisar no corredor principal, sou atacado pela pior memória de outras idas ao mercado: o assédio incansável dos comerciantes. Você é abordado por gente oferecendo queijo, gente oferecendo fruta, gente oferecendo bolinho de bacalhau.

O ataque é físico, no corpo-a-corpo, o que obriga o transeunte a se esquivar e cair no colo de outro vendedor. Sempre foi assim.

Só que agora existe uma pandemia que já matou 600 mil pessoas no Brasil. E todos –repito: todos– os sujeitos das guloseimas estão sem máscara ou com a máscara no queixo. Falam alto e cospem no freguês. Cospem na bandeja de damascos turcos que carregam para degustação.

Qual o problema do Mercadão? Visitá-lo virou um trem-fantasma negacionista, um show de horrores covídico. Comprei o que queria comprar e me pirulitei de lá tão rápido quanto pude.

Não sem antes pagar o tíquete do estacionamento. A bagatela de R$ 25 onde antes havia zona azul. Viva a iniciativa privada.

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