O Brasil da margarina, do macarrão mole e do café queimado

Tenho colossal preguiça de prêmios publicitários e pesquisas encomendadas para bajular anunciantes, como a Top of Mind –feita pelo Datafolha e divulgada pela Folha na quinta-feira (28). O que eu ganho ao conhecer a marca de papel higiênico que conquista corações e bundas dos brasileiros médios?

Mas preciso confessar que, mesmo sem ganhar patavina, não resisto a olhar as marcas mais lembradas na categoria Top Alimentação. A pesquisa escancara o que há nas despensas de um Brasil que nós, profissionais e diletantes da gastronomia, fingimos não ver.

Entre o Brasil do pão de fermentação natural e o Brasil que revira o lixo para comer, há um gigantesco universo de pessoas que consomem margarina, macarrão mole e café queimado.

Compra-se tanta margarina que a Top of Mind reserva uma subcategoria só para ela.

A ciência já demoliu o mito da margarina saudável, embora ainda insistam nele como ardil marqueteiro. Na gastronomia, a margarina sempre foi abominada.

A indústria, que bem sabe desse asco, o que faz? Usa o poder de per$ua$ão para convencer um chef francês respeitado e famoso a ser garoto-propaganda de margarina. O povo que vê TV cai feito um patinho.

Não é só uma questão de grana. Tá assim de bacana que come margarina, salgadinho sabor chulé e gelatina verde-fukushima.

No outro lado, o universo da gastronomia é um recorte social que vai além da classe. Há os ricos entediados, os alpinistas sociais, os hipsters presunçosos, os influencers deslumbrados, os trabalhadores estudiosos. E há os jornalistas, que também podem se encaixar nas definições anteriores.

Nós, jornalistas, somos iludidos pelo teatrinho da relação repórter-fonte. Recebemos convites e ganhamos brindes. Circulamos sem pagar pela vida dos ricos e acabamos pensando que aquela é a nossa vida.

Isso se reflete nos hábitos de consumo, que obviamente são pagos. Esquecemos que o Brasil real ainda janta macarrão mole.

Como mostra a pesquisa Top of Mind, todas as oito marcas de macarrão citadas espontaneamente são nacionais, feitas com farinha comum, que se desmancham se cozidas um tico além do ponto.

No Brasil gourmet, o macarrão mole acabou em 1990, quando Collor liberou as importações. O macarrão italiano de trigo duro chegou para ficar, e jamais se ouviu falar novamente em massa com ovos industrial.

Processo semelhante está em curso com o café queimado e amargo, uma instituição nacional desde o século 19 e rejeitada pela tchurminha gastrô.

Saltamos das cápsulas suíças para o café de terroir, com torra média, moído em casa e coado num filtro japonês que custa o dobro do quilo da marca de pó mais lembrada na Top of Mind.

Nossos patrícios gostam de café preto-petróleo, feito de grãos defeituosos, torrados nas chamas do inferno até carbonizar e, se vacilar, misturado com açúcar antes de ser coado e servido no copo americano num boteco pé-sujo.

Esse é o Brasil, e quem não concorda que vá para Portland ou Copenhague.

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