A torre de pizza e os livros de kafta
Muitos anos atrás, existia aqui perto de onde eu moro hoje um lugar chamado Torre de Pizza. Ficava na sobreloja de uma padaria numa praça adjacente à avenida Sumaré. Nunca fui, mas posso afirmar com 99% de precisão que se tratava de uma pizzaria.
Havia outro lugar na cidade –no Bixiga, antigo reduto de arapucas carcamanas– outra pizzaria sob o nome Torre do Bixiga, que tampouco frequentei. Não sei se havia disputa de marca entre os dois estabelecimentos.
Sei que ambos usavam a torre de Pisa, cidade da Toscana, para ilustrar seus letreiros. Trocar “Pisa” por “pizza” é uma associação infantil e, se o indivíduo é adulto, um trocadilho muito fraco.
Fraco, mas popular pra chuchu.
Na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, há uma Torre di Pizza. Em Niterói (RJ) existe outra. Campinas (SP) tem uma Torre de Pizzas. Na também paulista Rio Claro, a Torre da Pizza.
Sem contar as dezenas de pizzarias chamadas Torre de Pisa, mesmo –o cliente que faça o trocadilho por conta própria.
É a tosqueira habitual do Brasil. Para ser justo com os brasileiros, o jogo de palavras é comum no mundo todo, até na própria Itália. Existe uma pizzaria chamada La Torre di Pizza na província de Pisa, a 25 minutos de carro da torre inclinada.
O que ainda causa algum espanto é o presidente de um país falar “torre de pizza”, a sério, para se referir à torre de Pisa. Num evento oficial. Logo após voltar de um encontro de chefes de estado na Itália.
Sei que não deveria espantar, pois se trata de Jair Bolsonaro.
É o mesmo sujeito que, na referida viagem à Itália, recusou grapa e pediu refrigerante.
É o mesmo cara que já declarou comer pão com leite condensado no café da manhã.
É o mesmo indivíduo que, em viagem a Japão, portou-se feito um piá malcriado no banquete do imperador, falou mal da comida e, de volta ao hotel, devorou macarrão instantâneo. Pior: miojo brasileiro, levado na mala para a terra do Sol nascente e do lámen.
É o mesmo cabra que governa um país assolado pela fome, mas ostenta todo sorridente uma picanha que se chama “Mito” e custa R$ 1.799,99 o quilo. Picanha absurdamente cara, assada no Palácio da Alvorada por um certo “churrasqueiro dos artistas”, que recebeu auxílio emergencial durante nove meses.
Bolsonaro não sabe o que é decoro e não tem senso de ridículo. Jacta-se da própria ignorância. Se só ele fosse assim, seria menos ruim.
Ocorre que Bolsonaro não foi colocado na presidência por alienígenas de um disco voador.
O eleitor bolsonarista é a xepa do chorume do que há de mais desprezível na humanidade. Os que ainda apoiam o presidente –políticos, empresários e gado genérico– são piores ainda.
E o que dizer dos que estão na órbita de Jair? De quem está no governo?
Lembremos que um ministro da Educação –repito: da Educação– chamou de “kafta” o escritor checo Franz Kafka. Esse governo não serve nem para ser pizzaria & esfiharia.
(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook e do Twitter.)