No lixo de SP, ou você janta cedo ou não janta
Um soco no estômago a reportagem da Folha deste domingo (28) sob o título “É assim que eu como: a rotina de paulistanos que dependem de doação, xepa e lixo para matar a fome”. As repórteres Mariana Agunzi e Karime Xavier conversaram com as pessoas que a gente vê todo dia na rua, mas não conhece suas histórias.
Tiago Bastos de Santana, 24, diz que já está acostumado a comer lixo, então não passa mal com o alimento estragado.
Maria Lúcia Monteiro, 59, remove as partes mofadas da mortadela que encontra no lixo. Cozinha, na lenha de entulho, as gorduras que o açougue lhe doa.
Não é preciso ir ao Jardim Papai Noel, onde Maria Lúcia mora, para se deparar com gente nessa situação indigna.
Vivo numa rua cheia de prédios residenciais em Perdizes. No fim da tarde, os porteiros e zeladores depositam, em lixeiras metálicas, tudo o que os moradores jogaram fora.
Esse lixo sempre foi revirado pelas pessoas que vagam pela rua. O perfil dessa gente mudou muito recentemente.
Costumavam ser catadores de entulho que recolhem de latinhas e outras tranqueiras para revender. Geralmente pessoas solitárias, com algum transtorno mental, problema com álcool ou drogas. Abriam os sacos e deixam uma bagunça enorme ao sair.
Agora são famílias.
Estão atrás de comida. Abrem o saco, vasculham seu conteúdo, tiram o que encontram, fecham o saco e deixam tudo como encontraram.
O setor de restaurantes nos Estados Unidos usa a expressão “early bird” (“madrugador” ou, literalmente, “pássaro que chega cedo”) para designar os clientes que vão jantar ante de todo mundo –o que, nos EUA, não é muito depois do nosso almoço.
Os pássaros precoces costumam ser idosos. Os restaurantes dão-lhes descontos para fazer a cozinha funcionar em horários de pouco movimento. Aqui no Brasil, há restaurantes por quilo que cobram menos de quem vai almoçar antes do meio-dia.
Na ruas de São Paulo, jantar cedo é uma questão de sobrevivência.
Os porteiros tiram o lixo um pouco depois das 17h. A coleta só passa à noite, mas as famílias de famintos sabem que não podem esperar muito.
Eu observo sua passagem com alguma frequência, pois é um hora do dia em que sempre calha de eu estar plantado na calçada esperando um Uber.
Por volta das 17h15, 17h30, chega a primeira família. Investiga todas as lixeiras do quarteirão e some com alguma comida. O segundo grupo vem logo depois e já encontra bem menos alimento.
Os demais já não encontram o que comer.
No lixo paulistano, só janta quem janta cedo. Esse é o horror na porta das nossas casas.
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