Chefs e ditadores

 

“Quando janto fora, prefiro os restaurantes onde sou um cliente conhecido, porque, em princípio, eles aceitam com um sorriso meu comportamento, que é um pouco atípico: não gosto de ler o cardápio, peço o prato do qual estou a fim naquela noite, que ele esteja ou não no menu.”

O parágrafo acima abre a coluna “Liberdade para o quê”, de Contardo Calligaris, que esta Folha publicou na edição de 10 de janeiro de 2008.

Se entendi bem, Contardo gosta de pedir espaguete em restaurante de sushi e pizza em churrascaria. O autor cita a própria mania para conduzir o leitor a reflexões cabeçudas sobre liberdade de escolha; eu, glutão que sempre fui, memorizei apenas a parte do restaurante. O comportamento do cronista me impressionou tanto que fui capaz de garimpar um texto seu de dez anos atrás.

Sou fã do Contardo Calligaris, mas detestaria servir sua mesa se eu fosse garçom.

Clientes que tiram o pedido da cartola tendem a ser irritantes. Casos como o de Contardo são raros, mais comum é querer mudar a composição de um item do cardápio.

Do outro lado do balcão, há chefs que não admitem a mais ligeira alteração em suas criações magistrais. Ditadores de avental e crocs.

Pedidos fora do cardápio podem ser inviáveis por falta de ingredientes ou de estrutura para prepará-los. A maior parte das pizzarias, por exemplo, não tem a capacidade de cozinhar algo além de pizza.

Há alterações que violam normas alimentares. Não adianta espernear: você nunca conseguirá comer picanha num lugar vegano ou cheese-bacon numa lanchonete kosher.

Certas mudanças são absurdas. O sujeito quer comer cachorro-quente sem salsicha, o que fazer? Alguns cozinheiros atendem ao pedido sem drama existencial. Outros tentam negociar um meio-termo.

E existem os irredutíveis.

Se fosse exclusividade da alta culinária, vá lá. Quem paga centenas de dinheiros por um menu de 30 etapas entrega-se voluntariamente aos ditames de um chef autoritário.

Só que os ditadores brotam em qualquer lugar.

Dia desses, fui a uma hamburgueria chamada Frank & Charles.

Eu perguntei à garçonete:

– Tem suco de quê?

Ela me estendeu o cardápio e mostrou as opções. Limonada com cranberry, limonada com morango, limonada com hortelã e limonada com mirtilo e hortelã.

– Ótimo, quero uma limonada.

– Qual delas?

– Apenas uma limonada. Sem hortelã, sem nada.

– Não temos.

– Como assim?

– É a preparação.

– Que preparação? O suco já está pronto?

– Não. Ele é batido na hora.

– Então por que não me batem uma limonada sem hortelã?

– O chef não deixa. É a identidade da casa.

Ela falou “identidade”. Poderia ter dito “conceito” ou “proposta”, não mudaria em nada o discurso oco. Volto a frisar: o litígio deu-se acerca de uma limonada em uma hamburgueria. Eu estava faminto. Pedi a comida e uma água.

– Gelo e limão?

– Nada… se o chef permitir.

Na próxima vez, vou exercer minha liberdade de escolha e comer em outro lugar. Alguma sugestão, Contardo?